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Relações promiscuas da família Bolsonaro com o crime organizado do Rio de Janeiro

Por Daniel Zen*

Quando se diz que o negócio no entorno da Família Bolsonaro é complicado, não é por mera implicância ou apenas por divergências políticas, eleitorais ou ideológicas. É porque os indícios de envolvimento dessa turma com o crime organizado no Rio de Janeiro são muito fortes.

Restam cada vez mais evidentes as relações íntimas, perigosas, incestuosas e promíscuas dos Bolsonaro com as milícias fluminenses e com a máfia das contravenções do RJ, sobretudo a partir da revelação e prisão, na data de hoje (24/03/2024), dos supostos mandantes do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes: Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do RJ; Chiquinho Brazão, deputado federal pelo União Brasil-RJ; e Rivaldo Barbosa ex-Chefe da Polícia Civil do RJ. Senão vejamos:

Há muito tempo que o complexo problema da segurança pública, não só no RJ mas também no restante do Brasil, não se constitui apenas dos crimes comuns ou da sangrenta e duradoura guerra entre facções criminosas do tráfico de drogas. Desde o início dos anos 2000 que as milícias e a máfia das contravenções estão se espraiando e se enraizando com muita velocidade e força.

O grosso da movimentação financeira do tráfico está no atacado, concentrada em quem atravessa a droga na fronteira e no contrabando de armas. Sendo assim, a milícia é um negócio ilícito ainda mais lucrativo do que o varejo de drogas, presente nas favelas e morros. E ele não se constitui apenas da taxa de segurança que é cobrada dos moradores e dos comerciantes de comunidades já amedrontadas pelo tráfico: venda de gás, instalações clandestinas de eletricidade, água, TV à cabo (gatonet), internet e transporte clandestino… Tudo é prestado ou fornecido com “exclusividade” e cobrado mediante extorsão com intimidação de forte poderio armado, por policiais, ex-policiais e pessoas ligadas a área da segurança privada, recrutados pelos primeiros e com eles associados, constituindo verdadeiros grupos paramilitares que passam a manter o domínio de comunidades inteiras que, por sua vez, se tornam suas reféns, a partir do monopólio na prestação de serviços e fornecimento de bens.

A máfia das contravenções é ainda pior: e não é mais só jogo do bicho ou máquina caça níquel em favela. Tem grilagem de terreno para exploração imobiliária ilegal, escola de samba, time de futebol, agiotagem, lavagem de dinheiro e dezenas de outros trambiques pesados que envolvem figurões do colarinho branco e um volume de dinheiro que também superaria, em tese, os lucros do tráfico de drogas.

Fala-se em zona oeste, municípios da Baixada Fluminense, região de Jacarepaguá, Rio das Pedras, Campo Grande, Santa Cruz, mas, o RJ quase todo está atolado nessa merda há bastante tempo. E, aos poucos, o modelo está sendo “exportado” para comunidades dos subúrbios e da periferia das grandes e médias cidades do Brasil inteiro.

É da combinação entre milícias e máfia das contravenções que nasceu o “Escritório do Crime”, grupo de matadores de aluguel responsável por assassinatos por encomenda no RJ, dentre eles, o da então vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes. O Escritório do Crime, de que faziam parte Élcio Queiroz (condutor do veículo) e Ronnie Lessa (autor dos disparos que ceifaram as vidas de Marielle e Anderson e – coincidência – vizinho de Jair Bolsonaro no condomínio Vivendas da Barra) foi montado por Adriano da Nóbrega, chefe da milícia de Rio das Pedras e compadre de Fabrício Queiroz, o também miliciano, operador de rachadinhas e faz-fudo do gabinete de Flávio Bolsonaro na ALERJ, a pedido de quem o então deputado estadual empregara a mãe e a esposa de Adriano em seu próprio gabinete parlamentar, além das inúmeras homenagens que Flávio prestou a Adriano e seus comparsas e da defesa pública que ele fazia, incluindo dezenas de discursos na tribuna da ALERJ, dos milicianos e da ação das milícias. São fortes os indícios de que o dinheiro das rachadinhas dos gabinetes parlamentares dos Bolsonaro era “lavado” em compra de terrenos grilados pela máfia das contravenções e destinados à construção e comercialização de imóveis pelas milícias.

Foi a partir da homologação da delação de Ronnie Lessa que foram presos Domingos Brazão, Chiquinho Brazão e Rivaldo Barbosa: os dois primeiros apontados como mandantes e o terceiro como aquele que teria ajudado a planejar a execução e oferecido obstáculos às investigações dos assassinatos de Marielle e Anderson. No sábado, 23/03/2023, véspera das prisões, em artigo intitulado “Famílias Bolsonaro e Brazão têm muito em comum: ligação com a milícia e terrenos na zona oeste do Rio”, disponível no portal The Intercept Brasil, o jornalista João Filho já assinalava:

“Apesar do burburinho nas ruas e redes sociais, não há qualquer indício que ligue diretamente a família Bolsonaro ao assassinato de Marielle. Qualquer insinuação nesse sentido seria uma leviandade. Mas nunca é demais reforçar a natureza da formação política da família Bolsonaro, os caminhos que a fizeram alcançar a Presidência da República e suas conexões obscuras com o crime organizado. As ligações políticas, financeiras e pessoais dos Bolsonaros com Lessa e os integrantes da família Brazão são fortes e indiscutíveis. Apontar a proximidade do Bolsonaro com os mandantes e o executor do homicídio da vereadora não é uma ilação, mas a mera constatação dos fatos.” (FILHO, 2024).

Além disso, saliente-se que foi o Gen. Walter Braga Netto, interventor na segurança pública do RJ durante o governo Temer, tornado Chefe da Casa Civil e ministro de Estado da Defesa no governo Bolsonaro, depois candidato a vice-presidente na chapa de Jair, o responsável pela nomeação de um dos supostos planejadores da execução do crime para o cargo de Chefe da Polícia Civil do RJ, o que teria ocorrido apenas um dia antes dos assassinatos. Trata-se de uma proximidade muito mais do que perigosa, que ultrapassa a margem da mera coincidência.

No meio disso tudo, uma curiosidade: todas as vezes em que as investigações do caso Marielle Franco avançam em demonstrar a inegável proximidade dos assassinos e, agora, também dos mandantes, com a Família Bolsonaro, Adélio Bispo e Celso Daniel aparecem nos trending topics do antigo Tweeter. Significa dizer que o Gabinete do Ódio, sob o comando de Carlos Bolsonaro, segue funcionando a plenos pulmões. É saber se, dessa vez, a tecnologia a serviço da desinformação vai funcionar para aliviar a situação dos implicados.

P.S.1.: Querem entender melhor a relação promíscua da Família Bolsonaro com o crime organizado do RJ? Leiam os livros “A República das Milícias: dos esquadrões da morte à era Bolsonaro”, de Bruno Paes Manso; e “O negócio do Jair: a história proibida do clã Bolsonaro”, de Juliana Dal Piva.

P.S.2.: Querem entender melhor como funcionam as engrenagens do Gabinete do Ódio e o uso maciço de desinformação (fake news e teorias da conspiração) como estratégia política? Leiam o livro “A máquina do ódio: notas de uma repórter sobre fake news e violência digital”, de Patrícia Campos Mello.

*Daniel Zen é doutorando em Direito pela UnB, mestre em Direito pela UFSC e professor do Curso de Direito da UFAC. Presidente do Diretório Regional do PT/AC, é contrabaixista da banda de rock Filomedusa, ativista do Circuito Fora do Eixo e colaborador da Mídia Ninja. E-mail: danielzendoacre@gmail.com.

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