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Crescimento de Bolsonaro mostra eleitorado dividido em centro-direita e centro-esquerda, analisa José Dirceu

Reação ao neoliberalismo está latente

Resistência foi contida pela pandemia

Esquerdas devem construir alternativa

Bases sociais precisam ser refeitas

Por José Dirceu*

Não há como fugir dos fatos e da realidade. A questão é que os fatos não são apenas conjunturais. Por isso, não podemos nos concentrar apenas no aumento da aprovação de Bolsonaro e seu governo nas pesquisas de avaliação, mas ver este movimento como a confirmação da divisão do eleitorado brasileiro entre a centro-direita, agora hegemonizada pela extrema direita bolsonarista, e a centro-esquerda que, nas últimas décadas, tem sido liderada pelo PT.

Tenho citado o exemplo da eleição para o Senado em São Paulo, em 2010. Tuma, Quércia e Aloysio Nunes dividiam o eleitorado conservador e Marta e Netinho o progressista. O candidato tucano tinha poucas chances. Tuma, que era o favorito, faleceu e Quércia se retirou por razoes de saúde. Frente à mudança de conjuntura, parecia fácil a vitória de Marta e Netinho. Mas o eleitorado conservador não teve dúvidas e votou em massa em Aloysio, que ficou em primeiro lugar e Marta em segundo.

Há vitórias e vitórias. A de Bolsonaro, que começou com o golpe do impeachment de Dilma de 2016 e o impedimento de Lula, significou a coesão das elites empresariais e dos partidos de centro-direita em torno do programa econômico de Paulo Guedes. A mesma coalizão que sustentou o golpe de 1964 e a sua agenda econômica liberal liderada pela dupla Roberto Campos-Bulhões.

O programa econômico de Guedes, assim como o de Campos-Bulhões, é uma contrarreforma conservadora e autoritária no capitalismo brasileiro para adaptá-lo à ordem mundial. A ditadura militar, apesar do golpe, perdeu as eleições em Minas e Rio em 1966. Por isso, via AI 2, pôs fim à eleição direta para presidente, governador e prefeito de capitais e áreas de segurança nacional; extinguiu os partidos; e implantou a censura. As ruas foram ocupadas pelos estudantes primeiro, classes medias depois, e as greves operárias se intensificaram.

A pretexto de reprimir ações armadas da resistência à ditadura veio o AI 5. E, apesar da total repressão, do milagre econômico, da Copa do Mundo, do BNH, da Transamazônica e do Brasil Ame-o ou Deixe-o, a ditadura foi fragorosamente derrotada nas eleições de 1974 para o Senado.

RAZÕES CONJUNTURAIS 

Para além de identificar as razões conjunturais para a melhora de Bolsonaro nas pesquisas, precisamos ver o outro lado da moeda. Isso inclui lembrar que, em 2018, a centro-esquerda obteve 45% de votos já no primeiro turno, com Haddad, Ciro e Marina na disputa, repetindo o que ocorreu em 1989, quando Lula, Brizola e Covas enfrentaram Collor, que viria a ser eleito no segundo turno.

É preciso também levar em conta a temporalidade do auxílio emergencial em decorrência da pandemia, que tem impulsionado os índices de aprovação do atual governo, e as contradições entre o programa de Guedes e a degradação nas condições de vida das classes trabalhadoras, particularmente dos 40 milhões de informais, desalentados e desempregados.

A base conceitual das reformas neoliberais é a flexibilização e precarização do trabalho e a retirada de direitos. Não há precedente histórico no pais de uma agressão capitalista de tal magnitude ocorrer sem resistência dos trabalhadores. A aparente passividade atual decorre das condições de isolamento social impostas pela pandemia. O mesmo vale para a resistência e luta contra o obscurantismo e autoritarismo do governo que é causa das contradições entre a direita liberal e Bolsonaro, que vem sendo obrigado a recuar frente as ações do STF, do Congresso Nacional e da mídia monopolista e da própria oposição de esquerda.

NOVO CICLO POLÍTICO

Quando da vitória de Bolsonaro escrevi que era um novo período histórico e um novo ciclo político, não foi apenas pelo reagrupamento das elites politicas e empresariais em torno de um programa de reformas neoliberais, mas pelo caráter abertamente militar, conservador, obscurantista, fundamentalista religioso com base popular e de submissão ao “império” dos Estados Unidos.

Como os fatos vêm demonstrando, não se trata de um luta de curto prazo. Mas contradições já estão aparentes. Volta o fantasma de Geisel, lembrando que, no fundo, Delfim Netto representou uma mudança na politica da dupla Campos-Bulhões. O que temos agora é uma disputa dentro das elites entre o programa de Guedes e o dos militares –isso mesmo, o Pró Brasil–; entre os interesses gerais das classes empresariais e os do núcleo militar e civil que está no poder.

Ao PSDB-DEM-MDB, derrotados nas urnas em 2018, restou o apoio ao programa liberal e radical de Guedes que atende principalmente os interesses do capital financeiro rentista que hoje domina nossa economia. Sócios menores da coalizão conservadora, resta a eles a disputa pelo governo em 2022. Para as esquerdas, trata-se de construir ou reconstruir um programa alternativo ao do Guedes e recompor suas bases sociais e eleitorais em disputa por Bolsonaro, além de superar suas atuais divisões, normais se comparadas com as da direita liberal, da extrema-direita e do centro-democrático.

* José Dirceu de Oliveira e Silva, 74 anos, é advogado. Foi deputado estadual e federal pelo PT e ministro da Casa Civil (governo Lula). Foi condenado em 1ª Instância na Lava Jato a 32 anos e 1 mês de prisão. Aguarda em Brasília a decisão do TRF-4, tribunal de 2ª Instância da Justiça Federal, sobre condenações já proferidas pelo juiz Sérgio Moro na 1ª Instância.

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